Fim do mundo
quarta-feira, novembro 24, 2004
Morpheus

[Quadrinhos]

Hoje nós vamos falar de quadrinhos. O Quê? Cala a boca! Quadrinhos são legais, eu aprendi a ler lendo essa bosta, por isso acomode-se. O texto é grande.

Então tem esse cara que se chama Neil Gaiman. Ele escreve coisas. Quadrinhos principalmente. Se você não conhece histórias em quadrinhos não sabe o que está perdendo. Mas isso é pra outra hora. Por enquanto, o que você tem que saber é que existe um cara que chama Neil Gaiman e que ele é escritor. Pronto. Nada mais do que isso.

Conheci a obra do Gaiman antes de ter lido qualquer coisa que ele tinha escrito. Nesse mundo de fãs obsessivos -- como são quase todos os fãs de quadrinhos -- os nomes dos grandes criadores circulam por editoriais de revistas especializadas, páginas de internet, como referência em outras histórias, enfim estão por toda parte. O que é preciso saber aqui é que quando a gente chega no centro das coisas, os criadores de verdade, as verdadeiras cabeças pensantes, são muito poucas. Se formos olhar na música por exemplo. Quantas e quantas músicas as pessoas conhecem nas vozes de milhares de intérpretes e que são dos Beatles ou do Bob Dylan? Nas HQs não é muito diferente. As pessoas com pouca (ou nenhuma) capacidade de criar coisas novas, roubam os conceitos criados por quem realmente entende de contar histórias. Então, mesmo quando Sandman ainda era só mais uma palavra em inglês que eu não sabia o significado, a sombra do nome Neil Gaiman já pairava sobre as histórias que eu lia.

O tempo passa e eventualmente alguma coisa realmente escrita pelo tal Gaiman cai na minha mão. Agora eu não consigo me lembrar exatamente qual foi a primeira história dele que li, mas deve ter sido alguma edição de Sandman. Sandman é considerada ainda a maior obra que esse autor já escreveu. Uma saga em quadrinhos, com início, meio e fim (por si só, no mercado americano -- acostumado a mamar tudo que um produto lucrativo pode oferecer até que ele não ofereça mais nada --, isso já foi uma conquista) e que definiu novos parâmetros para as histórias em quadrinhos de um modo geral. Para muita gente, Sandman, mais do que revolucionar a mídia na qual foi publicada, foi o marco de uma virada comportamental, que ajudou a definir a juventude dos anos 80, além de elevar as HQs ao patamar de literatura. Exageros à parte, quando li Sandman pela primeira vez, não achei lá grandes coisas. Olhando pra trás, hoje penso que isso tem muito a ver com a minha idade na época em que li e com o fato de que eu estava maravilhado com outro autor de quadrinhos: Frank Miller. Miller tinha um estilo muito diferente de Gaiman. Ele era seco feito um Martini, texto preciso, frases curtas -- meio Hemingway --, suas histórias eram cheias de violência gratuita, sarcasmo, tiroteios e emoção. Era quadrinho rápido, feito filme de aventura, mas ainda assim com histórias envolventes. A diferença é que ele contava (e desenhava) o que o leitor precisava saber pra entender a história e só. O resto era por sua conta. Gaiman, assim como (quase) todo escritor inglês de quadrinhos, escrevia demais. Todas as suas histórias eram desfiles de verborragia infinita, com um monte de personagens com visuais legais que falavam sem parar. Muito chato. Na época.

Para que fosse possível aprender o porquê do falatório em cima do Neil Gaiman, eu teria que esperar anos ainda e entender algumas coisas que quando li pela primeira vez eu não entendia. Uma dessas coisas é o fazer das HQs. Se você nunca fez uma história em quadrinhos, você provavelmente não tem a menor idéia do trabalho que dá. Desenhar pessoas é o primeiro passo de um processo longo e demorado que pode levar anos, vide Alan Moore -- mais sobre esse outro autor inglês no futuro. Tem-se que pensar em ângulos, enquadramentos, iluminação, cenário, expressões faciais e isso eu estou falando só da parte de desenho. Ainda é preciso ter uma história consistente, um roteiro crível, diálogos idem, blá, blá, blá... mais uma infinidade de coisas que não te interessam. Neil Gaiman se interessa por essas coisas. Mais do que isso, ele domina cada nanomilímetro do processo de se fazer histórias em quadrinhos com maestria. Ele conta histórias com a clareza de quem pinta um quadro clássico, ele esconde elementos importantes -- jogando-os na sua cara -- como um escritor competente de romances policiais. Ele sabe contar histórias. E aí vem uma parte que um monte de gente se esquece: isso é o resultado de trabalho.

Mais de uma vez li entrevistas do Gaiman. Um dos assuntos dos quais que ele sempre fala é da quantidade de coisas que ele faz. Como pessoa inquieta que é, está sempre criando histórias novas, já publicou vários livros infantis -- em parceira com o amigo e autor de todas as capas de Sandman, Dave McKean --, dirige filmes caseiros nas horas vagas, é romancista, participa sempre de convenções e tardes de autógrafos e nunca pára. Mas sempre está lá o Sr. Gaiman falando do seu trabalho. Não raro, ele já mencionou que demorava um dia inteiro para escrever cada página de uma edição de Sandman. Isso significa trabalho duro. Busca de referência, pesquisa, contato com profissionais de outras áreas -- para saber de procedimentos médicas, por exemplo -- e isso tudo nos anos 80, quando internet ainda era sonho (sem intenção de trocadilho).

Então tem essa coisa toda de adorar um sujeito que criou histórias e personagens legais pra caramba. Mas o que vejo, e isso não é só porque sou contra adorar qualquer coisa, é só um cara que não tem medo de trabalhar e o faz o tempo todo. Porque se você acha que o Gaiman é um ser iluminado que recebeu a dádiva divina de criar os irmãos perpétuos, você está muito, MUITO enganado. Ele pesquisou, procurou por livros antigos de mitologia nórdica, mitologia celta, livros de magia (he, he, he...), enrolou isso tudo num pacote mastigável, diluiu com precisão em -- no caso de Sandman -- 73 números de uma revista em quadrinhos e todo mundo comeu. É genial? É! Sem dúvida! Genialmente bem amarrado, bem escrito, bem contado. Uma história que deve ser lida por todo mundo que quiser ler uma ótima história. E tudo o que ele escreve é assim. Extremamente pesquisado, muito bem cuidado, talhado com carinho, de forma que, ao ver uma convenção de serial killers, você seja convencido de que ela é totalmente possível. Porque é isso que o bom artista faz. Ele torna crível. Pega no ar e transforma em coisa, dá forma, cor, brilho, contraste, e a gente aqui vê o produto final achando que foi mágica. Bem, não foi!

Mas outras pessoas também sabem fazer quadrinhos tão bem quanto o Neil Gaiman, então por que ele é tão famoso? Porque ele escreve. Ser famoso como escritor é muito mais difícil do que ser famoso como desenhista. O desenho está ali. É só ver. Se você não for cego, então pode fazer, ao menos na base do juízo de valor, uma análise do desenho. "Grádei" ou "não grádei". Mesmo para se fazer uma análise do tipo "Grádei" ou "não grádei" de um escritor é preciso parar e ler. Requer trabalho, alguma dedicação, um pouco de tempo, essas coisas que ninguém mais tem hoje em dia... Neil conseguiu não só ficar famoso como escritor, como sua fama transcendeu o mundo das HQs e chegou até o mundo real. O texto dele não é o que se pode chamar de um texto de HQ, apesar de se encaixar perfeitamente bem dentro dos quadrinhos, mas é um texto que rompe barreiras. É lírico, poético, humorístico, sádico, irônico, é o que tem que ser. Acompanha o personagem, sai das limitações da página e nos pega pelo pescoço. São dele frases como, "A inocência, uma vez perdida, nunca pode ser recuperada" e "as pessoas pensam que sonhos não são reais porque não são feitos de matéria, de partículas. Sonhos são reais. Mas são feitos de pontos de vista, de imagens, de memórias e trocadilhos e esperanças perdidas." Essas frases, colocadas nas bocas dos personagens fantásticos que Gaiman criou, tornam a coisa toda mágica e fenomenal.

Imagine o Sonho conversando com você. O Sonho mesmo. Ele é uma pessoa. Parece o vocalista do The Cure. Quando o Sonho itself é um personagem, praticamente qualquer coisa que ele disser vai soar inusitado. O mesmo pode se dizer da Delírio (que é uma mulher), do Destino ou de qualquer um dos irmãos perpétuos, que são os personagens principais de Sandman. Sonho (ou Sandman) é o principal. Tem uma infinidade de outros nomes pelos quais é conhecido. É um personagem folclórico tanto aqui no Brasil quanto em outros países. Conta a lenda que ele joga areia nos olhos das crianças para que elas possam dormir. Por aqui, é mais conhecido como "João Pestana". Os outros perpétuos são Delirium, Desejo, Destino, Destruição, Desespero e Morte (a irmã mais velha). A morte não é de hoje que tem várias e diferentes encarnações mundo afora. Todos os outros perpétuos são versões de lendas antigas ou adaptações de personagens folclóricos. O que estou querendo dizer é que para se criar coisas novas é preciso saber o que já existe. Mas apenas copiar quem já fez significa repetir para sempre as mesmas histórias. Gaiman pegou conceitos antigos e os redefiniu tornando-os todos coisas novas. Veja a morte, por exemplo. Personagem presente até na peça "O fantasma da Ópera" -- lá chamada de "Red Death" -- tem mil diferentes faces. Terry Prachett criou a sua na série de livros ambientados no universo onde existe o Discworld que é uma das minhas prediletas. Mas Gaiman deu uma forma e uma personalidade tão marcantes para a morte dele, que desde que eu a vi, quando se fala em morte perto de mim, eu penso numa menina pequena de pele muito branca e cabelos pretos desgrenhados. O próprio Gaiman disse certa vez que criou a morte com a qual ele gostaria de se encontrar na hora de ir embora. Quem não gostaria de encontrar a primogênita dos perpétuos quando chegasse a hora?

Outra coisa que faz do Neil Gaiman diferente dos demais é sua capacidade de se reinventar. Sandman poderia ser uma desculpa perfeita para nunca mais escrever nada e viver de colher os louros que essa série gerasse. Mas quem é bom não faz isso. E Neil Gaiman é muito bom. Assim, provando que existe muito mais do que o mestre dos sonhos em sua obra, segue aqui o que se pode ler dele que vale a pena e já foi publicado no Brasil:

Sandman -- primeiramente editado pela Editora Globo, com todo o típico respeito que a Globo sempre teve com leitores de quadrinhos, ou seja, NENHUM!!!! (aguardem posts sobre a editora Globo em breve). Uma segunda edição foi lançada pela "Metal Pesado"/"Tudo em Quadrinhos"/"Atitude" ou sei lá qual era o nome dessa editora nas semanas em que publicou Sandman. Edições muito bem cuidadas, por sinal. Com páginas explicativas no final, falando das referências, do impacto que cada edição causou, sempre com textos muito bem cuidados. Após falir a "Atitude" (que acho que foi a última encarnação dessa editora) passou a batuta para a Brainstore, que é ainda a responsável pela publicação. Preço nas alturas, impressão mediana, tradução diferente e falha, papel ruim, sempre com erro de registro de alguma página ou na colocação dos textos em alguns balões. É triste! E CARO!!! Dizem que a Via Lettera irá lançar novamente a saga toda por aqui, dessa vez em forma de sagas encadernadas. Guarde dinheiro, caso você esteja pensando em comprar, porque a Via Lettera também é conhecida pelos preços salgados. Eu diria preços do tipo "mãos pra cima e dê-me todo o seu dinheiro", mas seria pouco educado.

Coraline -- livro infanto-juvenil publicado por aqui pela Editora Rocco e também ilustrado pelo grande Dave McKean. A Rocco pisou na bola e o livro tem um número de erros de digitação e de tradução que quase compromete a leitura. Mas é a história de Coraline, menina que se muda para uma casa grande e lá descobre essa porta secreta que a leva para uma dimensão paralela à sua. Aventura fantástica e linda e magicamente ilustrada.

Stardust -- é outra aventura fantástica e linda e que vale a pena ser lida e relida sempre. Conta a história de um jovem que, em busca do coração de uma garota, acaba entrando no mundo das fadas e descobre mais coisas do que se pode imaginar. Ilustrado por Charles Vess, Stardust é leitura obrigatória para todo mundo que quer ler alguma coisa que presta. Publicado pela Editora Conrad.

Deuses Americanos -- é seu o primeiro romance propriamente dito e outra publicação da Conrad. Um "road book" no qual acompanhamos Shadow, personagem principal, numa viagem pelas entranhas dos Estados Unidos.

Fumaça e espelhos: Contos e ilusões -- é publicação da Via Lettera. Livro de contos, muitos nunca publicados antes.

Belas Maldições -- é uma grande brincadeira com as profecias de fim do mundo que proliferaram na virada do século. O anti-cristo é uma criança normal de 11 anos de idade. Os soldados mobilizados pelo Céu e pelo Inferno para preparar a chegada do Armagedon na Terra, além de serem amigos, adoram esse planeta e têm três dias para impedir que o plano maligno de destruição global se concretize. Publicação da Bertrand Brasil que tem preço obsceno, no nível "eu-vou-te-estuprar-mas-você-fique-caladinho".

Os Caçadores de Sonhos -- é mais um da Conrad e trás a magnífica arte do japonês Yoshitaka Amano, conhecido por ser o responsável pelo design dos personagens de várias edições do jogo Final Fantasy. "Caçadores..." é a adaptação de um conto folclórico japonês: "A Raposa, o Monge e o Mikado dos Sonhos". Experiência única na interseção arte-texto, "Os Caçadores de Sonhos" tem que fazer parte da sua coleção de bons livros.

O livro dos Sonhos -- na verdade são dois volumes. Ambos são livros de contos ambientados no universo de Sandman, mas eles são só editados por Gaiman, que cedeu a vez a outros talentosos escritores e decidiu não escrever nada.

1602 -- é a primeira e única (até agora) colaboração de Gaiman com a Marvel Comics, principal editora de quadrinhos dos EUA. Vale pela curiosidade. E porque é do Gaiman.

Noites Sem Fim -- é um álbum de luxo, editado pela Conrad, e que comemora 10 anos de criação do selo Vertigo -- divisão de quadrinhos adultos da DC Comics, a principal rival da Marvel Comics. Sandman é considerado por muitos o pai e símbolo mor da linha Vertigo. "Noites..." é lindo e eu não posso falar mais nada. Vai lá, seja estuprado pelo preço obsceno desse álbum, mas não fique sem ele.

Abraços,
Leandro.

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sexta-feira, novembro 19, 2004
Contra o mundo
[Pra sempre]

Somos eu e você contra o mundo...

Estava pensando nisso nesse final de semana. Nessas coisas todas de sermos nós mesmos contra todos os outros que insistem em ver só o lado ruim. É difícil explicar sem entrar em detalhes, mas detalhes são... bem, são detalhes. Então vamos todos concordar que eles não se fazem necessários.

Um amigo saiu da casa dos pais e foi morar com a namorada. Eles dividem uma pequena casa, pagam as suas contas, limpam, passam, cozinham, tudo. Ela foi fundamental para que ele conseguisse o que queria. Desde pequeno extremamente indisciplinado, foi só quando foi morar com a menina que descobriu o que é estudar de verdade, o que é ser responsável, o que significa ser dono do seu próprio umbigo. Tem muita gente que não sabe nada disso, acredite. Foi ela quem lhe falou que ele tinha que estudar todo dia, foi ela quem lhe ensinou os benefícios de se ter uma determinada rotina de estudos, de trabalho, de vivência. Isso foi algo totalmente inédito pra ele e -- no caso dele -- era o que precisava ser feito para que ele conseguisse os seus objetivos. Nesse caso, para que ele passasse no exame da OAB (ordem dos advogados do brasil).

Tudo o que se comenta, no entanto, quando se fala no nome desse cara é o fato dele ter ido morar com a namorada sem estarem casados, sem herdeiros à vista, sem compromisso nenhum por essa conta. Eles se gostam e vivem juntos. Pronto. Fim de papo.

E isso é lindo!

Mas enxergar o que é lindo significa ser ingênuo no mundo de hoje. Escuto agora, nesse exato momento, por causa dessa frase, as vozes na minha cabeça: --"deixa de ser criança, Leandro"; --"você é muito ingênuo, Leandro; --"vê se cresce, Leandro"; --"você é muito inconseqüente, Leandro". Hum... depois de alguns anos escutando isso, enxergar o lado mais bonito das coisas começa a parecer uma péssima idéia.

Ver o lado bom, não significa descartar o que é ruim, nem o relevar, nem o evitar. Mas parece que vivemos numa cultura em que idolatrar o lado negativo significa sermos os mais espertos e os mais experientes. No entanto, essas mesmas pessoas que se acham as mais espertas do mundo, são as que sonham em mudar para o campo para se dedicarem à jardinagem ou algo parecido. Ora, o que é a jardinagem senão a construção do belo em função do belo? Então, se é assim, por que não começar agora a cultivar coisas boas? Por que senão você vai-se parecer ingênuo, despreparado e (como diz minha mãe) "deslumbrado com a vida"?

Não e não. Sei que o mundo e hoje não é um lugar bonito de se viver, sei o ser humano é habituado a matar para não morrer, sei que é preciso trabalhar duro e pra sempre pra se conseguir o que se quer, sei que a vida é dura e que pode ser muito, muito, muito longa se fizermos as escolhas erradas. Isso não me impede de escolher a forma como vou olhar para o mundo, nem a forma como vou me aproximar dele. Isso não vai me impedir de amar a mulher que eu amo.

As vozes voltam como um raio: --"não estamos te impedindo de fazer nada, só estamos te alertando que o que você está fazendo (seja lá o que for) está errado, que você não tem maturidade, capacidade (ou qualquer outra coisa terminada em "ade" que não conseguimos lembrar agora), para existir." Hum... depois de algum tempo escutando isso... vocês já sabem.

Tenho pensado fixamente nesse negócio de ver o lado bom há algum tempo. Talvez porque o lado bom seja algo tão raro ultimamente pra mim, que ao mesmo tempo ele se torna ainda mais importante.

Não estou reclamando, por favor.

Quando tudo corre às mil maravilhas, céu de brigadeiro sobre nós, ser otimista é fácil. Aí dá pra sorrir sempre. Estamos do lado bom da vida, quando a felicidade corre ao nosso encontro. Não tem a menor graça!

Bom é quando temos que correr atrás (do lucro, nunca do prejuízo), desviar das minas, roubar a bandeira do inimigo com faca nos dentes e camisa rasgada e suja de sangue e encharcada de suor. Aí sim é compensador. Aí sim é possível valorizar a manhã clara onde é possível enxergar pra sempre.

Abraços,
--Leandro

A quem interessar possa, a frase que abre esse post é de um pequeno verso que diz:

Somos eu e você contra o mundo
Péssimo lugar pra se estar!
Somos eu e você contra o mundo.
Único lugar pra onde eu gostaria de ir...

posted by Leandro @ 10:53 PM   0 comments
segunda-feira, novembro 08, 2004
Encontrar
[Revivendo]

Quando eu tinha 10 anos de idade eu pedi um disco ao meu pai. Um disco, ou LP, era o equivalente ao CD de hoje em dia, lá nos tempos de quando eu estava crescendo. Era uma mídia estranha, grande e, na maior parte das vezes preta, com um furo pequeno no meio e muito espaço para uma programação visual decente. Era também chamado de disco de vinil, bolachão, entre outros apelidos diversos. Enfim, lá atrás, em 1990, completando uma década de vida, eu queria um disco de presente de aniversário.

Essa é a primeira recordação que tenho no que diz respeito a querer música pra mim. Como cresci numa casa que sempre tocou muita música, é claro que eu já tinha pedido pros meus pais tocarem uma música ou outra antes (lembro-me agora de "Aquarela", do Toquinho, que eu ouvia sem parar), mas nunca tinha passado pela minha cabeça que eu poderia querer um disco com uma música que seria pra eu ouvir.

Naquele ano (meu Deus, já faz quatorze anos que isso aconteceu!!), na rádios de todo o país, a versão dos Engenheiros do Hawaii para "Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones" estava tocando sem parar. O disco dos Engenheiros que tem essa música se chama "O Papa é pop". Foi esse o LP que eu ganhei de aniversário. "Era um garoto.." encheu o saco na primeira semana depois que coloquei as mãos no disco. Então, um tanto receoso, aventurei-me pelo resto daquela bolacha preta. Lá no final, uma das últimas músicas do lado B, eventualmente começou a tocar. Chama-se "A violência travestida faz seu trottoir". Assim que essa música terminou, eu soube que escutaria Engenheiros para o resto da minha vida.

Ei!!! Eu tinha 10 anos de idade!

Pra mim, naquele momento, a música representou tudo de novo, moderno, inovador e diferente que era possível alcançar com alguns acordes. Participação especial de uma tal Patrícia -- ela mais tarde ficaria famosa assinando Patrícia Marx --, mas que na época era pouco mais que uma menina. Eu só voltaria a me sentir tão impressionado com uma música dois ou três anos depois, quando ouviria o punk dos Ramones pela primeira vez.

O tempo passou. Os discos (LP's) hoje são peças de museu, a formação dos Engenheiros mudou mais vezes do que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde, eu também mudei um bocado (quem fica parado é poste -- ou burro) e metade dos integrantes dos Ramones já morreu.

Eu olho pra trás, para aqueles anos do início da década de noventa e sorrio como criança num parque de diversão. Das poucas lembranças que tenho da minha infância dentro de casa, a esmagadora maioria consiste em eu sentado à frente do som, na sala, ouvindo música. "A violência travestida..." principalmente. De novo e de novo. E mais um vez. Eu cantava junto, claro! Meu irmão mais velho reclamava sempre, porque reclamar é seu esporte favorito. Eu colocava os fones e ouvia mais algumas vezes. Cantando junto ainda.

Não tem nostalgia, nem saudosismo, nem nada desse tipo. Existe ainda a lembrança daquele tempo e os ensinamentos que consegui trazer comigo. Um desses ensinamentos é a busca pela "violência travestida faz seu trottoir" em qualquer coisa.

Essa música é a melhor música do disco na minha opinião. E, é claro, que em todos os discos do Engenheiros que comprei em seguida sempre procurei por algo parecido. Nunca encontrei. Mas em todos os discos que tenho consigo dizer qual a minha música predileta. Qual aquela música que mais me diz algo de importante ou me impressiona de alguma maneira. De certa forma, essa prática de procurar pelo melhor, ainda existe em mim de muitas maneiras. Gosto de pensar que é assim que vivo a minha vida: procurando o que de melhor existe nas pessoas que conheço, nas músicas que escuto, nos filmes que vejo, nas situações que vivo.

Assisti há pouco um documentário a respeito de grandes músicos de jazz de todos os tempos. Eles diziam que estavam apenas procurando fazer música com os mais belos acordes que conheciam. Não é lindo isso? Fazer música com o que existe de mais bonito. Identifiquei-me com eles, apesar de não ser músico e sem querer me comparar. Mas acho que daria um belo epitáfio: "viveu fazendo da vida uma música tocada com os mais belos acordes".

É... se existe um bom jeito de viver é esse. Encontrando o belo.

Talvez continua, qualquer dia desses.

Abraços,
--Leandro
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quarta-feira, novembro 03, 2004
Escola de Rock
[Fracasso]

Algumas coisas são inevitáveis em cima dessa terra e debaixo desse céu. A morte, apesar de pensarmos (pouco) nela, é um exemplo. O amor, seja por seu bichinho de estimação, seja pela sua namorada, é outro. Vamos então concordar que o fracasso é também exemplo válido.

O tal Festival de Rock, que aconteceu no Condado na semana passada não pode ser descrito de outra maneira senão como tendo sido um fracasso.

Vamos jogar uma luz sobre esse fracasso para tentarmos entender o que aconteceu:

Foi realizado uma semana após a famigerada “Festa Brega”. A saber: a “Festa Brega” é a principal festa do calendário festivo do Condado e uma vergonha para qualquer lugar que deseja ser considerado civilizado. Consiste basicamente num monte de gente vestindo roupas dos anos 70, confundindo psicodelismo com baranguice, bebendo sem parar. Pequena curiosidade a respeito da população do Condado: bebe como se não houvesse amanhã. Por algum motivo ainda a ser estudado no futuro, vestindo roupas assumidamente barangas as pessoas tendem a se divertir mais do que vestindo suas corriqueiras roupas barangas. É fato, no entanto, que a “Festa Brega” atrai multidões que pagam caro para entrar e pra beber lá dentro.

O Festival estava previsto para durar cinco dias. De sexta-feira da semana passada até terça-feira dessa semana. No Sábado, dia em que era esperado pela organização o maior número de pessoas, acontecia na cidade vizinha – Divinópolis – a famosa Festa a Fantasia da cidade. Shows de Nando Reis e do “arroz-de-festa” Bartucada, diga-se de passagem. Quarenta reais por cabeça para entrar e mais a o que você fosse consumir lá dentro.

Festival realizado no final do mês. Alguém tem dinheiro no final do mês? Eu não.

E por último – o mais doloroso e importante motivo – o Condado não quer um Festival de Rock. Não “quer”, assim mesmo, no presente, porque essa não querência continua e vai continuar por alguns anos, senão por décadas.

Lembro-me dos anos em ainda vivia no Condado, quando eu e alguns colegas saímos à noite, conversando sobre um milhão de coisas, naquela natural verborragia adolescente que havia descoberto que era possível falar, mesmo que ninguém nos escutasse ( e alguns nos mandasse ficar calados). Bem, nessa conversas era comum a reclamação a respeito de falta de lugar onde seria possível ouvir boa música naqueles lados de lá. E sempre eram citadas outras cidades, onde, diziam, era possível entrar num bar e ouvir Creedance – por exemplo – sem que fosse preciso colocar uma faca no pescoço do garçom. Adorávamos pensar que um dia o Condado veria algo parecido, ou até, devaneio geral, um Festival de Rock talvez acabasse pintando por lá. Essas conversas continuaram e, é preciso ser verdadeiro, continuam até hoje, sempre que sentamos em algum boteco de lá ou daqui. Ainda existe aquele espírito de Jack Black em “Escola de Rock”, onde seríamos os professores e os alunos seriam a população adolescente da cidade. Ingênuos até não mais poder, ficamos todos de boca aberta quando descobrimos que um Festival de Rock de verdade (desses com bandas e tudo mais) realmente estava sendo organizado e seria realizado lá no Condado.

Mas toda cidade tem aquilo que merece. E o Condado não merece um festival de rock. A população de lá não sabe o que é rock. Mesmo os adolescentes, historicamente parte da oposição, hoje são partidários da música “sertaneja brega mela-cueca”. E quando se fala em rock, o máximo que se pode esperar é um comentário a respeito da genialidade do Chorão – aquele holigan, institucionalização da ignorância como meio de vida --, vocalista do Charlie Brown Jr. Pessoas que ainda estão nesse nível de amadurecimento não merecem festivais de rock, não merecem bandas de verdade tocando em palcos de verdade. Elas ainda estão tentando descobrir se as bandas que se apresentam em programas de auditório fazem playback ou se o baterista é realmente bom o suficiente para tocar com apenas uma caixa e um prato, e em pé. Triste ainda pensar que existe público para festival de rock na cidade, mas que esse não é suficiente para encher a “A Obra”.

Ver poucas pessoas (poucas mesmo, de verdade) pulando na frente do palco, realmente se divertindo com algo que eles sabem que nunca mais vai acontecer de novo tornou o espetáculo ainda mais... patético. Mas não patético pelo público, que, por menor que tenha sido, pulou como se estivesse na arena de um grande estádio, patético porque aquelas poucas pessoas demonstravam o quanto o resto da população é atrasada. População essa que não sabe que esse festival era uma semente, era um começo de algo que poderia se tornar importante, poderia ser um evento turístico significativo para a região e que traria substanciais somas de dinheiro para a cidade no futuro.

Mas nem tudo foram espinhos. Palmas para a organização em relação à montagem do lugar. Lindo! Palco enorme e som impecável. Aliás, vale ser destacado em caixa alta: SOM DE PRIMEIRÍSSIMA QUALIDADE!! Um dos melhores que já ouvi na minha vida! E esse aparato profissional para bandas que passaram longe de soar amadoras. Das que ouvi, todas souberam fazer o dever de casa com competência. Versões extremamente fiéis de Pink Floyd, AC/DC, Kiss, Deep Purple, entre outras, abençoaram a noite do Condado com sons divinos. Além disso, uma tenda com música eletrônica foi montada, barracas com as mais diversas bebidas, cerveja gelada, comida boa, enfim tudo para receber o visitante... que não apareceu.

Os cinco dias viraram três. Na tarde de segunda-feira, o som foi retirado, as barracas desmontadas e as bandas que ainda tocariam, dispensadas.

Ao longe, ouço uma guitarra chorando gentilmente...

[Som]

Ouça “While My Guitar Gently Weeps”, do ex-beatle George Harrison. Aproveite o embalo para ouvir toda a discografia dos Beatles, porque é du caralho!

Abraços,
-- Leandro

posted by Leandro @ 7:00 PM   0 comments
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