Fim do mundo
segunda-feira, novembro 08, 2004
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[Revivendo]

Quando eu tinha 10 anos de idade eu pedi um disco ao meu pai. Um disco, ou LP, era o equivalente ao CD de hoje em dia, lá nos tempos de quando eu estava crescendo. Era uma mídia estranha, grande e, na maior parte das vezes preta, com um furo pequeno no meio e muito espaço para uma programação visual decente. Era também chamado de disco de vinil, bolachão, entre outros apelidos diversos. Enfim, lá atrás, em 1990, completando uma década de vida, eu queria um disco de presente de aniversário.

Essa é a primeira recordação que tenho no que diz respeito a querer música pra mim. Como cresci numa casa que sempre tocou muita música, é claro que eu já tinha pedido pros meus pais tocarem uma música ou outra antes (lembro-me agora de "Aquarela", do Toquinho, que eu ouvia sem parar), mas nunca tinha passado pela minha cabeça que eu poderia querer um disco com uma música que seria pra eu ouvir.

Naquele ano (meu Deus, já faz quatorze anos que isso aconteceu!!), na rádios de todo o país, a versão dos Engenheiros do Hawaii para "Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones" estava tocando sem parar. O disco dos Engenheiros que tem essa música se chama "O Papa é pop". Foi esse o LP que eu ganhei de aniversário. "Era um garoto.." encheu o saco na primeira semana depois que coloquei as mãos no disco. Então, um tanto receoso, aventurei-me pelo resto daquela bolacha preta. Lá no final, uma das últimas músicas do lado B, eventualmente começou a tocar. Chama-se "A violência travestida faz seu trottoir". Assim que essa música terminou, eu soube que escutaria Engenheiros para o resto da minha vida.

Ei!!! Eu tinha 10 anos de idade!

Pra mim, naquele momento, a música representou tudo de novo, moderno, inovador e diferente que era possível alcançar com alguns acordes. Participação especial de uma tal Patrícia -- ela mais tarde ficaria famosa assinando Patrícia Marx --, mas que na época era pouco mais que uma menina. Eu só voltaria a me sentir tão impressionado com uma música dois ou três anos depois, quando ouviria o punk dos Ramones pela primeira vez.

O tempo passou. Os discos (LP's) hoje são peças de museu, a formação dos Engenheiros mudou mais vezes do que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde, eu também mudei um bocado (quem fica parado é poste -- ou burro) e metade dos integrantes dos Ramones já morreu.

Eu olho pra trás, para aqueles anos do início da década de noventa e sorrio como criança num parque de diversão. Das poucas lembranças que tenho da minha infância dentro de casa, a esmagadora maioria consiste em eu sentado à frente do som, na sala, ouvindo música. "A violência travestida..." principalmente. De novo e de novo. E mais um vez. Eu cantava junto, claro! Meu irmão mais velho reclamava sempre, porque reclamar é seu esporte favorito. Eu colocava os fones e ouvia mais algumas vezes. Cantando junto ainda.

Não tem nostalgia, nem saudosismo, nem nada desse tipo. Existe ainda a lembrança daquele tempo e os ensinamentos que consegui trazer comigo. Um desses ensinamentos é a busca pela "violência travestida faz seu trottoir" em qualquer coisa.

Essa música é a melhor música do disco na minha opinião. E, é claro, que em todos os discos do Engenheiros que comprei em seguida sempre procurei por algo parecido. Nunca encontrei. Mas em todos os discos que tenho consigo dizer qual a minha música predileta. Qual aquela música que mais me diz algo de importante ou me impressiona de alguma maneira. De certa forma, essa prática de procurar pelo melhor, ainda existe em mim de muitas maneiras. Gosto de pensar que é assim que vivo a minha vida: procurando o que de melhor existe nas pessoas que conheço, nas músicas que escuto, nos filmes que vejo, nas situações que vivo.

Assisti há pouco um documentário a respeito de grandes músicos de jazz de todos os tempos. Eles diziam que estavam apenas procurando fazer música com os mais belos acordes que conheciam. Não é lindo isso? Fazer música com o que existe de mais bonito. Identifiquei-me com eles, apesar de não ser músico e sem querer me comparar. Mas acho que daria um belo epitáfio: "viveu fazendo da vida uma música tocada com os mais belos acordes".

É... se existe um bom jeito de viver é esse. Encontrando o belo.

Talvez continua, qualquer dia desses.

Abraços,
--Leandro
posted by Leandro @ 1:38 AM  
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