1ª PARTE
[Primeira História]
Ao descer do ônibus, antes de colocar os pés na rua, uma senhora tem o seu colar -- que usa há anos, com todo o carinho, já que foi um presente do falecido marido -- roubado. Dois malditos pivetões (para mais informações a respeito da estirpe
http://my.fotolog.net/edit_photo.html?pid=5722847) andam tranqüilamente junto do meio fio, arrancam o colar do pescoço da senhora e continuam a sua caminhada pelo centro da cidade.
Lembrei-me de "Capitães de Areia" -- "Eles são os verdadeiros donos da cidade."
[Segunda História]
Duas senhoras entram no ônibus. São amigas e serão tratadas como 1ª velhinha e 2ª velhinha.
1ª velhinha, junto da roleta do trocador: só um minutinho, que já vou pegar o seu dinheiro, meu filho.
2ª velhinha, logo atrás da primeira: aqui, trocador, cobre as duas passagens.
1ª velhinha: você vai pagar pra mim?
2ª velhinha: vou. Você é muito lenta. Nem aparenta a idade que tem...
A primeira passa pela rolata e já procura por algum lugar lugar pra sentar. A segunda, antes de passar, conversa com o trocador.
2ª velhinha: qual a idade mínima para se sentar aqui na frente?
Trocador: 65
1ª velhinha: anda, menina. Não! Você é muito nova ainda. Pode ficar de pé, porque aqui só tem lugar pra uma...
[O negócio é o seguinte]
As duas histórias são verdadeiras. As duas foram presenciadas por mim, ontem, no final da tarde, enquanto o ônibus que tomei para ir visitar um amigo parou ao lado do PSIU da Praça Sete.
A primeira história faz parte da Belo Horizonte real.
A segunda, da Belo Horizonte Paralela.
As duas cidades co-existem. Elas estão aqui e agora. E a Belo Horizonte real deve ser destruída.
[Acertando os ponteiros]
Há algum tempo postei aqui um pequeno texto com as minhas impressões de Belo horizonte. Não tem porque ser hipócrita: essa cidade não é o lugar que eu mais gosto no mundo. E nem o Condado é, antes que você suponha errado. Na verdade, ainda não encontrei um espaço pra chamar de meu e duvido muito que encontrarei antes de visitar Londres... mas isso é outra história. Fato é que Belo Horizonte já me deu alegrias diversas. Eu assisti aos Ramones tocando ao vivo lá no parque da Gameleira (vou repetir pra mim mesmo, porque amo isso, EU VI OS RAMONES TOCANDO AO VIVO), meu pai viu o Willie Nelson lá no Palácio das Artes, minha mãe viu o Caetano Veloso e ambos viram o Buena Vista Social Club. Em BH -- única abreviação válida, porque "Belô" é imbecil --, encontrei grandes amigos, me formei, tomei a minha cota de porres e até conheci algumas garotas ao longo do caminho. Tenho débitos para com Belo Horizonte, por mais que odeie admitir isso, o que me fez criar Belo Horizonte Paralela.
Belo Horizonte Paralela é a Belo Horizonte onde eu quero viver.
Belo Horizonte Paralela é meu mundo ideal, é a BH do mundo das idéias -- se preferir --, onde a maior parte da cidade é "faz de conta" porque é fruto da minha realidade, do que eu penso que poderia ser a BH ideal.
O que me faz acreditar na Belo Horizonte Paralela são as velhinhas zoando uma a outra, mesmo durante um assalto, o sorriso da vizinha que dá bom-dia, o porteiro que me chama de artista -- porque ele chama todo mundo de artista -- e outros vários episódios que pontuam o dia de felicidade. Acontece que na BH Real, a felicidade é heresia e se dizer feliz é ser ingênuo, adolescente ou pior, inocente. Tantos rótulos e veja só, nenhum deles me interessa. Se fosse parar pra me importar com rótulos não teria feito faculdade de comunicação, nem teria criado a BH Paralela.
"Mas esse papo de BH Paralela é utopia". Sim, é. Utopia é onde se quer chegar. Se não existe objetivo, não existe porquê começar. Lembro-me de Rubem Alves, "o importante é a objetividade". Ora, eu trabalho em função de algo melhor do que existe agora, se o agora não me agrada. O importante nessa última afirmativa é "trabalho em função de algo melhor". Não vivo na utopia, mas vivo tendo ela como meu norte. Isso não significa pegar bandeira e sair gritando pelas ruas do centro. Quem discute gritando, perde antes de entrar na briga. Significa saber se existe algo contra o que lutar, ou se você é só mais um revoltado com "tudo o que está ai" e nem sabe se há algo que realmente te atrapalha. Se existe, então tá na hora de combater. Faca nos dentes e espírito de luta. "Uma vez mais às trincheiras, meus irmãos".
Por que isso tudo?
Porque "não quero morrer no mesmo mundo em que nasci", porra. É só isso! Não quero morrer no mesmo mundo em que nasci.
Então eu vou empurrar essa cidade antes de ser empurrado por ela. Vou olhar pra ela de dentes cerrados, espumando, com ódio e insensatez, antes de mijar nas suas ruas e escrever meu nome em algum lugar dela pra mostrar que é minha.
É esse tipo de atitude que é preciso para viver na BH Real e eu detesto isso.
A BH Real adora.
Fim da Parte 1