Fim do mundo
domingo, setembro 12, 2004
Belo Horizonte

[Belo Horizonte]

Hoje eu fui ao Pátio Savassi. Pra quem não conhece, o Pátio é o novo shopping center da cidade. Recém-inaugurado, ainda com partes sendo construídas, o Pátio abriga lojas das mais variadas espécies, possui uma praça de alimentação respeitável, livrarias, cafés, é amplo, limpíssimo, corredores espaçosos e quase sem teto, o que contribui para que o seu nome faça sentido.

É um lugar incrível.

Foi construído com a intenção de agradar tanto ao seu público-alvo específico, que se você não faz parte desse público é quase obrigado a deixar o lugar. O Pátio expulsa quem não é moldado para estar lá. Porque tudo no Pátio é moldado, pré-fabricado, tudo é feito e está colocado de tal maneira que não exista lugar para subjetividade. As pessoas que estão lá se esforçam tanto para serem “diferentes”, “revoltadas” que se preocupam mais com a aparência do que aquelas contra quem elas estão se revoltando, e parecem fazer parte da paisagem, o que torna tudo um grande museu de cera. Essa idéia é acentuada pelos funcionários, que são tanto parte das lojas quanto os manequins das vitrines, tão espirituosos quanto, tão estáticos quanto. A atmosfera do lugar é irrespirável. È de tal maneira estéril que nem um casal de ninfomaníacos copulando no chão do lugar poderia procriar, mesmo que não tivesse que se alimentar ou dormir.

O Pátio Savassi é claustrofóbico, impossível de se tornar um lugar agradável para quem não se mistura com a pintura das paredes. No entanto, o lugar é incrível. O Pátio é o que você quer. Ele é a materialização de todos os seus sonhos e a razão do seu trabalho. Você se esforça para chegar até o Pátio Savassi e para ser o que o Pátio exige que seus clientes sejam.

Porque o outro lado da moeda, onde é possível respirar oxigênio não condicionado, tem-se que desviar dos mendigos que pedem esmola, deitados na calçada. Em frente á Igreja São José, casais são assaltados por pessoas que usam o medo como única arma. Na rua Sergipe, um bando de moleques diz que “marcou a sua cara” te obrigando a andar olhando pra trás pra sempre -- ou desenvolver um terceiro olho. Na rua da Bahia, assaltantes te mandam não correr e passar tudo o que você possui. Na praça Sete, loucos com gargantas de megafone rezam berrando tanto que só é possível pensar que o Deus deles é surdo. Na periferia, bandidos trocam tiros com a polícia e a população de um bairro inteiro acha normal entrar no ônibus sem pagar somente porque eles podem. Uma antiga colega de classe é morta no Prado, em frente à sua casa depois de ser assaltada, não reagir e entregar tudo o que tinha para os assaltantes. No Santo Antônio, ao chegar em casa, pessoas descobrem que suas casas foram roubadas enquanto elas estavam almoçando com parentes ou saíram de férias, depois de trabalharem por meses para juntar o dinheiro necessário e viajar. No centro da cidade, milhares de pequenos furtos acontecem a cada dia. O mendigo que vive à porta do prédio onde funcionava um banco fechado pela justiça, tem seu sol matutino roubado pela banca de revistas construída em frente ao local onde dorme há mais de dez anos. Num prédio abandonado na região dos hospitais, um pobre viciado morre de overdose e é encontrado pela sua mulher grávida, deixando pra ela o trabalho de carregar o corpo e retirar a seringa ainda presa no braço coberto de feridas. Na praça Raul Soares, a matilha limpa vidros de carros, mesmo que os donos dos veículos não queiram, e pedem trocados em retorno. Por toda cidade, meninos e meninas vendem balas clandestinamente em todas as linhas de ônibus, mesmo que ninguém compre, já que os passageiros entraram sem pagar...

Blade Runner ensinou que, no futuro, as cidades serão lugares de depravação, catástrofes, desordenadas emaranhados de construções que se empilham, com sete milhões de desabrigados. E parece que estamos correndo para que esse cenário se concretize, acreditando que assim -- numa cidade morta -- estaremos no futuro. Porque tanto Blade Runner quanto Pátio Savassi são exemplos de lugares mortos. Não existe vida nesses lugares. Pelo menos não vida de verdade, não existe sangue correndo nas veias desses lugares, não é possível beber desses lugares.

Nesses lugares a cidade não existe de verdade, mas são nesses lugares que moram os habitantes que fazem ela funcionar.

É onde Belo Horizonte respira.

Eu respiro junto com ela.


[Recomendações]
Ouçam Live at Benaroya Hall, do Pearl Jam; leiam Sin City, de Frank Miller; visitem http://www.casademusica.uaivip.com.br/ -- esse site é obra do meu irmão.

posted by Leandro @ 7:15 PM  
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