[Fracasso]
Algumas coisas são inevitáveis em cima dessa terra e debaixo desse céu. A morte, apesar de pensarmos (pouco) nela, é um exemplo. O amor, seja por seu bichinho de estimação, seja pela sua namorada, é outro. Vamos então concordar que o fracasso é também exemplo válido. O tal Festival de Rock, que aconteceu no Condado na semana passada não pode ser descrito de outra maneira senão como tendo sido um fracasso. Vamos jogar uma luz sobre esse fracasso para tentarmos entender o que aconteceu: Foi realizado uma semana após a famigerada “Festa Brega”. A saber: a “Festa Brega” é a principal festa do calendário festivo do Condado e uma vergonha para qualquer lugar que deseja ser considerado civilizado. Consiste basicamente num monte de gente vestindo roupas dos anos 70, confundindo psicodelismo com baranguice, bebendo sem parar. Pequena curiosidade a respeito da população do Condado: bebe como se não houvesse amanhã. Por algum motivo ainda a ser estudado no futuro, vestindo roupas assumidamente barangas as pessoas tendem a se divertir mais do que vestindo suas corriqueiras roupas barangas. É fato, no entanto, que a “Festa Brega” atrai multidões que pagam caro para entrar e pra beber lá dentro. O Festival estava previsto para durar cinco dias. De sexta-feira da semana passada até terça-feira dessa semana. No Sábado, dia em que era esperado pela organização o maior número de pessoas, acontecia na cidade vizinha – Divinópolis – a famosa Festa a Fantasia da cidade. Shows de Nando Reis e do “arroz-de-festa” Bartucada, diga-se de passagem. Quarenta reais por cabeça para entrar e mais a o que você fosse consumir lá dentro. Festival realizado no final do mês. Alguém tem dinheiro no final do mês? Eu não. E por último – o mais doloroso e importante motivo – o Condado não quer um Festival de Rock. Não “quer”, assim mesmo, no presente, porque essa não querência continua e vai continuar por alguns anos, senão por décadas. Lembro-me dos anos em ainda vivia no Condado, quando eu e alguns colegas saímos à noite, conversando sobre um milhão de coisas, naquela natural verborragia adolescente que havia descoberto que era possível falar, mesmo que ninguém nos escutasse ( e alguns nos mandasse ficar calados). Bem, nessa conversas era comum a reclamação a respeito de falta de lugar onde seria possível ouvir boa música naqueles lados de lá. E sempre eram citadas outras cidades, onde, diziam, era possível entrar num bar e ouvir Creedance – por exemplo – sem que fosse preciso colocar uma faca no pescoço do garçom. Adorávamos pensar que um dia o Condado veria algo parecido, ou até, devaneio geral, um Festival de Rock talvez acabasse pintando por lá. Essas conversas continuaram e, é preciso ser verdadeiro, continuam até hoje, sempre que sentamos em algum boteco de lá ou daqui. Ainda existe aquele espírito de Jack Black em “Escola de Rock”, onde seríamos os professores e os alunos seriam a população adolescente da cidade. Ingênuos até não mais poder, ficamos todos de boca aberta quando descobrimos que um Festival de Rock de verdade (desses com bandas e tudo mais) realmente estava sendo organizado e seria realizado lá no Condado. Mas toda cidade tem aquilo que merece. E o Condado não merece um festival de rock. A população de lá não sabe o que é rock. Mesmo os adolescentes, historicamente parte da oposição, hoje são partidários da música “sertaneja brega mela-cueca”. E quando se fala em rock, o máximo que se pode esperar é um comentário a respeito da genialidade do Chorão – aquele holigan, institucionalização da ignorância como meio de vida --, vocalista do Charlie Brown Jr. Pessoas que ainda estão nesse nível de amadurecimento não merecem festivais de rock, não merecem bandas de verdade tocando em palcos de verdade. Elas ainda estão tentando descobrir se as bandas que se apresentam em programas de auditório fazem playback ou se o baterista é realmente bom o suficiente para tocar com apenas uma caixa e um prato, e em pé. Triste ainda pensar que existe público para festival de rock na cidade, mas que esse não é suficiente para encher a “A Obra”. Ver poucas pessoas (poucas mesmo, de verdade) pulando na frente do palco, realmente se divertindo com algo que eles sabem que nunca mais vai acontecer de novo tornou o espetáculo ainda mais... patético. Mas não patético pelo público, que, por menor que tenha sido, pulou como se estivesse na arena de um grande estádio, patético porque aquelas poucas pessoas demonstravam o quanto o resto da população é atrasada. População essa que não sabe que esse festival era uma semente, era um começo de algo que poderia se tornar importante, poderia ser um evento turístico significativo para a região e que traria substanciais somas de dinheiro para a cidade no futuro. Mas nem tudo foram espinhos. Palmas para a organização em relação à montagem do lugar. Lindo! Palco enorme e som impecável. Aliás, vale ser destacado em caixa alta: SOM DE PRIMEIRÍSSIMA QUALIDADE!! Um dos melhores que já ouvi na minha vida! E esse aparato profissional para bandas que passaram longe de soar amadoras. Das que ouvi, todas souberam fazer o dever de casa com competência. Versões extremamente fiéis de Pink Floyd, AC/DC, Kiss, Deep Purple, entre outras, abençoaram a noite do Condado com sons divinos. Além disso, uma tenda com música eletrônica foi montada, barracas com as mais diversas bebidas, cerveja gelada, comida boa, enfim tudo para receber o visitante... que não apareceu. Os cinco dias viraram três. Na tarde de segunda-feira, o som foi retirado, as barracas desmontadas e as bandas que ainda tocariam, dispensadas. Ao longe, ouço uma guitarra chorando gentilmente... [Som] Ouça “While My Guitar Gently Weeps”, do ex-beatle George Harrison. Aproveite o embalo para ouvir toda a discografia dos Beatles, porque é du caralho! Abraços,
-- Leandro |