Fim do mundo
sábado, outubro 02, 2004
Belo Horizonte Paralela
2ª Parte

[Final]

E adoro cidades. AMO-AS, na verdade. Sou fascinado por construções feitas pelo homem, por dados do tipo "esse carregamento só pode ser transportado à noite, porque é preciso retirar cabos de força dos postes para que o caminhão consiga passar", adoro o cânion de pessoas que se forma numa rua cercada de prédios.

Eu penso na mera possibilidade de uma cidade existir e fico imaginando como é possível. Porque se você parar pra pensar, você vai ver que existe uma quantidade enorme de terra emersa no mundo, então qual a probabilidade de uma pessoa se fixar num lugar? Qual a probabilidade de mais pessoas quererem se fixar naquele mesmo lugar? Qual a chance daquele lugar, uma vez escolhido por uma pessoa se tornar um novo meio ambiente?

Pra mim, as cidades (qualquer cidade) são um novo ecossistema, com suas próprias regras, vocabulário, jeito de se vestir, de andar, de ser. Fique tempo suficiente numa cidade estranha, e quando voltar ao seu cantinho, poderá ouvir comentários a respeito de como você está mudado. Não estou falando do modo de falar ou andar, estou falando do mero modo como a gente existe. Porque as cidades entram na gente, nós as respiramos, seus cheiros nos atacam a cada esquina, seus ruídos nos ensurdecem (ou nos acordam pra vida). As cidades nos tornam parte dela, elas entram em nossos corações, estão na nossa corrente sanguínea.

Pode parecer exagero, mas se você leu lá em cima, você sabe que eu gosto muito de cidades.

Belo Horizonte Paralela é a melhor das cidades. Porque ela é criação da minha cabeça, ela existe porque eu quero que ela exista.

Há elementos da BH Real, na BH Paralela? É claro, porque nada surge do absoluto nada.

A BH Paralela é perfeita? É claro que não! Ela é fruto de uma mente humana -- como se isso já não fosse problema suficiente, da minha mente -- e como tal, ela possui problemas. Vários! Mas atravessar suas ruas, é como atravessar os quadrinhos de uma HQ. Isso é tudo o que se pode pedir pra que uma cidade seja perfeita. Que cada parte dela tenha seus significados, que cada um dos seus indivíduos saiba que faz parte de algo muito maior e, justamente por isso, tenha a capacidade de ser único.

A BH Paralela surgiu da minha necessidade de devolver à BH Real as coisas boas que ela já me mostrou, que já me ensinou, que já me fez entender. Ela é uma fabricação. No último post usei a expressão "faz de conta", porque gosto dela. Faz-me pensar em contos de fadas, que são incríveis "não porque nos dizem que dragões existem, mas porque nos mostram que eles podem ser destruídos" (isso é parte do prefácio de um livro do Neil Gaiman, chamado Coraline. Agora não estou lembrando quem é o autor do prefácio, mas o livro é muito bom. Aguarde futuro post a respeito do próprio Neil Gaiman num futuro próximo). O grande dragão do mal que era BH quando me mudei pra cá, hoje não existe mais. Ou pelo menos está domado. Adoro essa sensação de estar em paz comigo mesmo. Se fosse médico, eu diria que abri a cidade e olhei suas entranhas, já que sou fã de metáforas nojentas. Posso andar pelas ruas da capital sentindo o que ela me oferece, sem ficar incomodado. Cheiro de comida chinesa com costelinha de porco, café árabe, cigarro com ar-condicionado, chuvas raras e bem vindas, e perfumes que trazem lembranças. Barulho infernal no boteco do outro lado da rua, a voz angelical da atendente que te trata bem. São essas pequenas coisas que fazem a BH Real me surpreender a cada segundo. A BH Real me faz crescer e me mostra o quanto sou pequenino diante do mundo. Isso é o que ela tem que fazer de qualquer maneira. Assim, sem saber, ela me faz maior do que eu achava que poderia ser.

Lembro-me de um amigo do meu pai que, ao conversar comigo anos atrás, disse: "fale da sua aldeia e terá falado do mundo". Sinto, portanto, que a BH Paralela é sim um mundo paralelo. Meu mundo, de certa forma. Existe nele aquilo que gosto, os desafios apresentados por ele, eu consigo superar... E as ruas são um pouco mais coloridas: porque é preciso sorrir.

Algum dia, talvez a BH Paralela seja uma realidade... se eu for o dono do universo conhecido na próxima encarnação. Não e não. A BH Paralela é uma invenção e vai continuar a ser uma invenção para todo o sempre. My Rosebud -- if you will. A BH Real é... bem, real. Essa é de verdade e é a cidade que aprendi a gostar, a cidade viva, com todas as suas particularidades, defeitos e qualidades.

São as ruas dessa cidade que, ao sair de casa pela manhã, eu sinto sob meus pés.

É essa cidade que me olha do alto de seu edifício mais alto, sorri como uma puta cheia de vida e pergunta com carinho: "quem está sob quem, querido?"

Eu sorrio de volta.

Fim

posted by Leandro @ 1:50 AM  
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About Me: Nasci em Formiga-MG, moro em BH. Formado em publicidade e propaganda pela PUC-MG, mestrando em comunicação social.
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